Os maiores medos da minha vida

yuri abyaza costa
A grandeza da natureza e a pequenez do espírito humano

Na minha vida, na minha pequena vida, tenho medo apenas de duas coisas. A primeira e inevitável e impossível de se combater é a força da natureza, principalmente quando ela se irrita e resolve desfazer com o seu poder de destruição tudo o que antes havia construído com o mesmo poder criativo de construir. Quando a natureza constrói ela revela o que há de melhor em si e quando destrói revela o seu pior, mas o intuito da natureza de destruir é sempre benéfico, pois é para reconstruir, mais e melhor, porque ela vê os erros da obra anterior e a destrói para criar algo novo sem os erros de antes. Esse é o primeiro dos meus medos, só que não é o maior deles. 
O segundo medo e o maior de todos é o do homem ignorante, pois com esse ser tapado, estúpido, ridículo, com esse não há diálogo, porque ele está sempre convencido de que está certo, não tem ouvidos para ouvir outras opiniões e sua primeira impressão sobre o que vê é a que fica. Incapaz de parar e refletir sobre as atitudes a tomar, age por impulso e só bem depois do estrago feito é que poderá se arrepender, mas já será tarde, pois não pode copiar a natureza, não pode reconstruir o que destruiu - seja alguma coisa ou a vida de alguém. Pior esse homem se torna quando está investido de alguma autoridade ou responsabilidade, pois sua ignorância não o permite ver que o poder a ele atribuído é para servir e não para se servir. Esse tipo de homem da medo, pois contra ele nada se pode fazer e não se tem a quem recorrer e a ele muitos se juntam, pois também são ignorantes e incapazes de enxergar além do minuto em que vivem. Para explicar isso, cabe aqui a reprodução de uma das fábulas de La Fontaine, O Lobo e o Cordeiro.
Fábula: O Lobo e o Cordeiro - La Fontaine.
Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.
- Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.
- Senhor - respondeu o cordeiro - não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.
- Você agita a água - continuou o lobo ameaçador - e sei que você andou falando mal de mim no ano passado.
- Não pode - respondeu o cordeiro - no ano passado eu ainda não tinha nascido. O lobo pensou um pouco e disse:
- Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
- Eu não tenho irmão - disse o cordeiro - sou filho único.
- Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue. Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.
MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor.
Essa fábula de La Fontaine nos diz com muita clareza que se você é fraco de espírito, pobre de dinheiro, anônimo na sociedade em que vive, ignora as leis que regem a sociedade da qual faz parte, ou torna-se alvo das lentes das câmeras de emissoras de televisão que, para aumentar a audiência e obter lucro, precipitam acusações sem dar ao acusado a chance de falar para se defender e disso muitas vezes resulta o linchamento popular da vítima condenada antes mesmo de qualquer julgamento. Diante disso as chances de vencer sobre aquele que por algumas situações é mais forte do que você, por causa do poder atribuído a ele são muito raras.

Revelado meus maiores medos, o da natureza enfurecida e do homem ignorante envaidecido, cabe adicionar a letra da música de Eládia Blázquez - Proibido Proibir, para elucidar e ilustrar bem o que quero dizer quando me refiro ao homem ignorante, que vestido do manto do poder tudo quer proibir, para fazer valer a sua voz, só que há algumas coisas que eles não podem proibir, porque são maiores do que eles.

Prohibido Prohibir - Eladia Blázquez
Não se pode proibir, nem se pode negar
o direito de viver e a razão de sonhar...
Não se pode proibir, o acreditar e o criar
nem a Terra se excluir, nem a Lua se ocultar...
Não se pode proibir, nem uma pitada de amor,
não se pode evitar o desabrochar de uma flor...
Nem da alma vibrar, nem do pulso pulsar,
nem o caminhar da vida... Não se pode proibir.
Não se pode proibir, o ato de pensar
nem se pode impedir, a tormenta no mar...
Não se pode proibir, o próprio interior
nem um passarinho, a buscar um céu melhor...
Não se pode proibir, o impulso da vida,
nem uma gota de mel, nem um grão de sal...
Nem os desejos sem pares, nem o desejo sem fim
de rir, de chorar, não se pode proibir.
Não se pode proibir, a cor do bronzeado
da tarde ao se por, no por do sol.
Não se pode proibir, o desejo de cantar,
nem o dever de decidir o que deve se calar...
Só o homem incapaz de entender, de sentir
obtém êxito, no final, de proibir a si mesmo,
e se nega ao sabor da simples verdade,
de viver um amor em total liberdade...
Se eu tivesse o poder de poder decidir...
Ditaria uma lei... É proibido proibir!

O que da mais medo? A fúria da natureza que dura no máximo algumas horas e depois de se acalmar tudo volta ao normal, ou a fúria do homem ignorante envaidecido da função que exerce e que quando se dispõe a destruir, pode mantê-lo preso por trinta anos, fazendo-o viver em um ambiente que não vai lhe matar, mas vai lhe dar tanto sofrimento que pode fazê-lo se arrepender até de ter nascido?
O lobo que por pretexto decidiu que deveria devorar o cordeiro porque se achou nesse direito e para isso criou em sua cabeça histórias absurdas, satisfez-se de reparar a sua ira saciando-se da carne do cordeiro, traduz com perfeição as ações do homem ignorante, que convencido de que deve puni-lo o faz sem nenhuma reflexão ou remorso, pois sua satisfação não é a de construir em você alguém melhor, é a de destruir o alguém que ele julga pior do que ele.

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