Capitão Lourenço Moreira Lima [Vídeo no final]

Discurso pronunciado por Miguel Costa no Cemitério de Araçá em homenagem a Lourenço Moreira Lima

Estamos aqui reunidos para trazer-vos a nossa saudade, para prestar-vos a nossa mais sincera homenagem neste preito de gratidão e afeto. Querido e bravo bacharel soldado que todos nós aprendemos a amar e a admirar. Soldado da Liberdade, narrador da “Grande Marcha”. Conquistou Moreira Lima proeminente lugar na nossa história e na gratidão popular.
Morto, agora, continua pelo exemplo edificante dos seus feitos e do seu extraordinário espírito de sacrifícios, a inspirar nossa inabalável confiança nos destinos da Pátria.
E eu, que fui seu comandante durante a revolução, que se prolongou de 1924 a 1927, eu, a quem a providência concedeu a rara felicidade de poder participar dos mais trágicos lances da memorável campanha, peço vênia aos companheiros de jornada, aqui presentes, para lembrar alguns fatos que mostram seu valor inquebrantável.
Sem nenhuma veleidade literária julgo dever fazê-lo, tanto mais quanto, como bem acentua João Alberto, narrando as façanhas dos outros, fê-lo Moreira Lima com tanto zelo e desprendimento, que se esqueceu de contar as suas próprias, o que demonstra a modéstia do homem e do verdadeiro patriota.
Político liberal por convicções filosóficas e espírito de natural tendência revolucionária, tomou parte na conspiração dirigida pelo marechal Hermes da Fonseca. Revoltou-se na própria revolução de 1922, e, civil que era, se não tomou parte no levante, - pois coube a Octávio Correa a insígnia honra de representar o elemento civil – devotou-se de corpo e alma, como advogado gratuito, a defender, nos tribunais, os companheiros implicados no movimento. Continuou a lutar pelas liberdades publicas, principalmente pela liberdade de imprensa, imprensa que o mantém na sombra, esquecendo o que lhe deve.


Dois anos mais tarde, quando eclodiu a revolução em São Paulo, estava ele em missão de Isidoro Dias Lopes, em Belo Horizonte. Avançando sempre, comprometera-se com o novo movimento e nele penetrou mais profundamente. “Tomara armas, misturando-se no pó das trincheiras com outros irmãos de ideal.” Assim pensando dirigiu-se imediatamente para o teatro da luta, nesta capital, e aqui tomou parte saliente nos acontecimentos.
Com a retirada dos Revolucionários de São Paulo, Moreira Lima foi preso e encarcerado na “bastilha da rua sete de abril” onde conheceu toda a sorte de afrontas e maus tratos da famigerada polícia da época. Em lugar de abater-lhe o ânimo resoluto e altivo, agiram as humilhações e sofrimentos como incentivo para continuar na luta. Assim, posto em liberdade, seis meses depois, embora doente e sem recursos, sentia-se tão animado a continuar na peleja, que se arrastou até Foz do Iguaçu, teatro homérico das operações revolucionárias. Alí chegava no momento trágico da queda de Catanduvas.
Os defensores da brava praça de guerra, privados de todos os recursos em alimentações e munições – naquela madrugada dura de 27 de março de 1925 – entregam os pulsos as algemas da tirania. Era iminente a desordem na retaguarda. Entretanto, uma brigada, ainda organizada, não aceitou o ultimato de rendição e lutou desesperadamente para cortar as falanges governamentais. Copiosamente armadas e municiadas. Se esta brigada recuasse rapidamente e não procedesse como fez, cedendo o terreno palmo a palmo e em ordem – outro teria sido de certo o rumo de nossa história – e ali terminaria a revolução[1]. Prestes e sua tropa jamais teriam podido transpor a caudal do Iguaçu. Seriam fatalmente jogados para dentro das fronteiras argentinas. Findando—se, porém seus gloriosos feitos. Instante supremo esses, quando o próprio Isidoro declarava que nenhum sacrifício mais era possível pedir aos revolucionários, grande parte desses – como é natural nessas dramáticas situações de derrota – emigraram para o estrangeiro, vencidos, cansados, abandonando a luta.
Exatamente nesse agudo momento de crise, quando muitos fraquejavam – buscando a tranquilidade e a paz – da paz e da tranquilidade surgiu para a luta Lourenço Moreira Lima, era empolgante ver esse ousado paisano, doente e esquelético, empunhando um fuzil, a marchar para a frente em sentido oposto aos que debandavam declarando que desejava continuar na porfia até cair o último soldado. Lição sublime dava esse homem. Firme, resoluto, nesse momento Lourenço Moreira Lima encarnava a própria situação do povo brasileiro. Pobre, doente, faminto, mas corajoso e patriota.
Tendo assumido o comando das forças em operações, inclui-o na tropa e na do meu Q.G., como capitão, posto compatível com o seu grau de bacharel em direito.
Durante mais dois anos Lourenço Moreira Lima acompanhou a longa peregrinação, através de rios e montanhas, sertões bravios e intrincadas matas, pantanais tremendos ou quase intransponíveis desertos. Foi ele, como os outros companheiros da “Coluna Invicta” um dos infatigáveis caminhantes na mais extensa marcha militar que registra a história do planeta.
Centenas de combates empenhados em situações duríssimas contra um inimigo muito superior em número e recursos de toda espécie. Através de 14 estados do Brasil, nos 24 mil quilômetros de percurso. Tal o feito militar que honra não somente aqueles que realizaram, mas o povo brasileiro, que não lhes negou apoio e simpatia.
Moreira Lima conseguiu destacar-se entre milhares de companheiros valorosos, alguns dos quais felizmente aqui se encontram. Além dos intensos sofrimentos que todos suportavam, padecia ele o martírio de uma hérnia estrangulada, que o atormentava. Não encontrando nos sertões uma funda para substituir a sua, toda rôta e despedaçada, amarrava-a com barbante e até com arame o que lhe causava ferimentos dolorosos nas longas marchas que éramos obrigados a fazer. Muitas vezes, a pé. Tudo suportava com resignação, sem gemidos ou queixas. Nunca o ouvimos pronunciar uma palavra de desanimo ou desilusão.
Quando fui gravemente ferido no combate de Campo Alegre, em Goiás, a 27 de agosto de 1926, ao me transportarem, golfando sangue, para as linhas da retaguarda, tive ocasião de contemplar e mais uma vez admirar, sua inquebrantável energia, combatendo de peito aberto, à frente do contingente que comandava. Foi esse seu comportamento. Até que quando precisamos de dois oficiais de reconhecido valor, para, do centro do país, atravessando as linhas adversárias, atingir o estrangeiro, como emissário ao marechal Isidoro Dias Lopes, sobre ele e Djalma Dutra recaiu a escolha. Cumprindo a missão, arrastando todos os perigos e sacrifícios, foi e regressou ao seio da “Coluna Revolucionária”. Eram desta estatura os homens da Revolução.
Encontrou-nos no regresso já a pique de transpor as linhas bolivianas, inteiramente esgotados os recursos de que dispúnhamos esgotado igualmente a resistência física de nossos soldados.
Lourenço Moreira Lima voltou ao Brasil onde continuou pregando os ideais revolucionários.


Quando em outubro de 1930, combatíamos no Paraná, Lourenço Moreira Lima apresentou-se-me novamente disposto a expor a própria vida pela causa que abraçara.
Com a vitória da Revolução, nada pediu para si e para os seus. Continuou sua modesta existência na vida civil preconizando a necessidade da execução dos postulados revolucionários.
Como a vitória não satisfazia seus anseios, envolveu-se em novas conspirações, tendo em vista a liberdade e o bem estar do povo. Foi então perseguido tenazmente pela polícia da revolução – que ele tanto ajudara a vencer.
Nos últimos dias da sua atribulada existência, minado pelas modéstias, revelou verdadeiro estoicismo e rara firmeza de caráter.
Impossibilitado de continuar na luta, forçado a ocultar-se e no anonimato, amparado por companheiros fiéis, agravaram-se os seus padecimentos, na tosca tapera da chácara de Octavio Enmes, em S. Miguel Paulista, onde encontrara abrigo.
Transportado sob nome suposto para o Hospital Alemão, graças a bondade e coragem do Dr. Quirino Passos, ali veio a falecer esse nobre lutador da democracia e da liberdade.
Só então, para ser enterrado, pode usar novamente seu próprio nome naquele atestado que aquele médico amigo lhe passara.
Passados 33 anos daquela madrugada plena de ideal do 5 de julho de 1924, aqui vimos, Lourenço Moreira Lima, trazer-vos as saudades dos companheiros, sabes como fostes digno da gratidão do povo que hoje desfruta de gradativa liberdade, decorrente em grande parte de vosso ingente sacrifício.
E agora, terminando, com meu profundo sentimento de pesar, quero lembrar uma frase do padre Antonio Vieira “se servistes a pátria e ela lhe foi ingrata, vôs fizesteis o que lhe devias, ela, o que costuma.”
Lourenço Moreira Lima, o Bacharel Feroz, como ficou conhecido, veio a óbito em 5 de setembro de 1940. Foi sepultado no Cemitério São Paulo.
Na época ainda se enterrava diretamente na terra e assim fizeram com o Bacharel Feroz, sepultaram-no na antiga quadra 29, sepultura 293, do Cemitério São Paulo. Com o desenvolvimento do Cemitério e a construção de túmulos, Lourenço Moreira Lima foi trasladado para o Cemitério do Araçá a 21 de dezembro de 1945 e seus ossos foram depositados no Ossário. Durante longos anos o seu paradeiro permaneceu desconhecido. Depois de muita investigação encontrei seus vestígios. Agora podemos identificar e colocar Lourenço Moreira Lima - outro revolucionário que se sacrificou em nome do Brasil - no lugar que deve figurar.


[1] Essa Brigada a qual Miguel Costa se refere era a 3ª Brigada, da Força Pública, por ele comanda.


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