Lançamento de Livro sobre João Cabanas
Este ano de 2014 comemoram-se os 90 Anos da Revolução de 1924. Vários eventos tem se realizado, entre eles, o lançamento de livros importantes que se destacam nesse meio. É o caso do livro A Ação de João Cabanas no Eixo da Mogiana em 1924 de autoria do Major Hélio Tenório dos Santos, da Polícia Militar de São Paulo. O livro do ilustre acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e titular da Cadeira General Miguel Costa, trás revelações importantes e inéditas sobre a vida e as ações militares do tenente João Cabanas, Chefe do Batalhão Cabanas, conhecido como A Coluna da Morte. O major Hélio Tenório se dedicou arduamente na captura das informações necessárias para a confecção desse livro, já que os dados são raríssimos. A leitura é muito agradável, pois o autor soube escrever para todos os públicos e não apenas para o público militar, que teria maior interesse nesse assunto. O livro é ilustrado com fotografias e mapas que facilitam muito o entendimento das idéias de João Cabanas.
1) Quais foram as principais causas da Revolução de 1924?
HT: A principal causa da Revolução foi a falta de legitimidade da República Velha. As eleições eram ostensivamente fraudadas e neste ambiente surgiu o movimento pela moralização da República com a adoção do voto secreto, dentre outros objetivos. O fracasso da primeira revolta em 1922 e a perseguição aos revolucionários, foram os motivos determinantes para a eclosão da Revolução em 1924.
2) Por que não existe dentro da Polícia Militar um estudo voltado para esse período histórico?
HT: A Polícia Militar do Estado de São Paulo, como instituição, desconhece completamente a Revolução de 1924. O que é pior, o pouco conhecimento que existe normalmente é baseado em mitos ou concepções totalmente equivocadas. O resultado disto é que, como a instituição desconhece os fatos, não existe nenhum estudo sério dentro da Polícia Militar sobre a Revolução, o que é extremamente triste, pois a Revolução está fortemente ligada à luta pela democracia e pelos direitos do cidadão, acrescido de que a Polícia Militar de São Paulo foi a única força militar estadual que se revoltou contra a República Velha na defesa destes ideais, que só seriam vitoriosos em 1930, o que não deixa de ser uma grande qualidade democrática. Internamente, no âmbito da Corporação, o estudo de 1924 também seria extremamente interessante porque a Polícia Militar de São Paulo só tem na sua história três grandes figuras de líderes militares que se notabilizaram pela aplicação brilhante e bem sucedida dos princípios da guerra, sendo que em 1924 encontramos dois destes, o General Miguel Costa e o Tenente Coronel João Cabanas (observando que o terceiro grande líder militar da Corporação foi o Coronel Romão Gomes em 1932).
3) Nos dias de hoje, seria possível uma nova revolução nos moldes de 1924? Por quê?
HT: Hoje em dia a situação de opressão das liberdades políticas ainda é tão manipulada e fraudada quanto o era em 1924, embora por outros meios menos diretos mas igualmente corruptos e anti-democráticos. No entanto, na minha opinião de pouco mérito, eu imagino que seria muito difícil a ocorrência de uma Revolução como a de 1924, especialmente pelo que observou, com muita propriedade o Marechal Cordeiro de Farias, pouco antes de morrer, quando lhe fizeram a mesma pergunta e ele explicou que em 1924 os militares não tinham nada a perder. Disse isso no sentido de que os benefícios de ser militar da ativa eram tão ínfimos em 1924 que a perspectiva de revoltar-se e acabar, preso ou morto, pesava pouco em comparação com a condição precária em que os militares já vivam.
4) O que despertou o interesse na pessoa do tenente João Cabanas?
HT: João Cabanas é uma figura interessantíssima pelas suas qualidades de líder militar e pelo seu gênio guerreiro. As ações de Cabanas nos diversos combates em que se empenhou, as suas manobras, são todas exemplares do ponto de vista da aplicação da arte militar mas, mais que isto, são deliciosas de se estudar pelo inusitado e dinamismo das suas soluções. O gênio guerreiro de Cabanas é, como disse antes, um dos três mais bem sucedidos e perfeitos de quase duzentos anos de história da Polícia Militar de São Paulo. Analisando o perfil das verdadeiras façanhas realizadas por Cabanas, não tenho dúvida de que ele poderia ter sido um comandante de brigada, ou até mais, em condições de operar em qualquer grande conflito do mundo e em qualquer época, justamente pela sua característica de iniciativa, ofensiva, flexibilidade, carisma, adaptabilidade e muitas outras, todas marcantes.
5) A guerra de movimento foi utilizada pelo tenente Cabanas? O que é a guerra de movimento?
HT: Entendo que a dita “guerra de movimento” de que os revolucionários falavam nos anos 20, consiste na aplicação de dois princípios militares consagrados que são a ofensiva e a manobra. Em outras palavras, tomar, manter e explorar a iniciativa para realizar movimentos ofensivos e forçar o inimigo a reagir ao seu plano, pois só pela ofensiva é possível alcançar a vitória. E manobrar com a aplicação flexível do poder de combate, o que implica no movimento e fogo da tropa sobre o inimigo. Cabanas foi um mestre espetacular na aplicação destes dois princípios, ofensiva e manobra, sendo, portanto, um mestre na guerra de movimento da qual os revolucionários falavam nos anos 20.
6) Intimidar o inimigo por meio de notícias falsas enviadas por telégrafo, imprimir a imagem da caveira na bandeira de sua tropa, gritar como "loucos" antes de atacar o inimigo, foi pioneirismo?
HT: Eu não sou um exímio conhecedor da história militar brasileira, então não vou me arriscar a dizer que Cabanas tenha sido pioneiro nestes assuntos, embora eu desconheça aplicação similar em data anterior. Mas uma coisa é certa, a solução de Cabanas para as ações no eixo da Mogiana em 1924, com uma tropa tão pequena para enfrentar efetivo tão superior em números, ao se basear na mobilidade, manobra e contra-informação, foi totalmente inovadora no Brasil, a ponto de seus inimigos constantemente protestarem. A comparação pode não ser a melhor, mas imagine um jogo de futebol contra um time de pernas de pau sem nenhuma habilidade com a bola, neste quadro Cabanas seria um Garrincha, invulnerável e de ataque indefensável.
7) Por que o tenente Cabanas é hostilizado dentro da Polícia Militar sendo que ele foi um dos responsáveis pelo sucesso da retirada dos revolucionários da capital paulista?
HT: Cabanas não era homem de ações tímidas e, em tempo de Revolução, foi o mais extremado dos revolucionários. Ele entendia que a Revolução deveria ser intensa e sem meias medidas, por isso, diversas vezes julgou e fuzilou sumariamente criminosos que lhe cairam nas mãos, tais como saquadores, estupradores e escravizadores. Combatido pelo governo federal, Cabanas foi vítima de muita propaganda que o apresentava como um bandoleiro e isto fez com que, dentro da Polícia Militar muita gente acabasse por considerá-lo como tal. A fama de bandido é totalmente injusta, enquanto que as suas qualidades de gênio guerreiro são indiscutíveis, sendo fato incontestável que a retirada dos revolucionários da Capital só foi possível graças às ações de Cabanas na mogiana.
8) Por que pouco se fala sobre 1924?
HT: Infelizmente no nosso país o nível das escolas é péssimo. O brasileiro mediano não tem acesso a estas informações, ficando o estudo sobre 1924 restrito a pouquíssimos pesquisadores acadêmicos, que não têm nenhuma capacidade de expandir seus conhecimentos para a massa popular. Até mesmo as publicações sobre 1924 são raríssimas. Da parte dos governantes então existe menos interesse ainda em se divulgar a Revolução, justamente pelos seus ideais democráticos.
9) O senhor também escreveu sobre 1932. Quais as diferenças entre 1924 e 1932?
HT: Em termos de ideais não há diferença entre 1924 e 1932, os motivos são rigorosamente os mesmos, no fundo. A grande diferença, no meu entender, é que em 1924 os revolucionários deram provas inegáveis de profundo talento militar e colecionaram vitórias expressivas sucessivamente, o que foi exatamente o oposto de 1932, quando os revolucionários das linhas de frente deram provas sublimes de bravura e sacrifício constante, mas foram guiados por lideranças políticas e militares completamente incapazes, colecionando derrotas e fracassos militares.
10) Quando se encerrou o ciclo revolucionário das décadas de 1920 e 1930 e por quê?
HT: No meu ponto de vista, o ciclo iniciado em 1922, que passa pelos ápices de 1924 a 1930, encerrou-se com a Constituinte de 1934 que, finalmente, reconheceu os princípios defendidos pelos revolucionários.
11) O seu livro traz alguma novidade sobre João Cabanas?
HT: O que se conhece sobre João Cabanas estava disperso em várias obras, então procurei condensar no meu livro a maior quantidade possível destas informações, mas acredito que ainda há muito para ser acrescentado. Não chega a ser uma biografia de Cabanas, mas chega bem perto. A grande novidade mesmo é a interpretação crítica militar das manobras de João Cabanas, identificando as causas das vitórias revolucionárias e das derrotas legalistas, o que foi feito de maneira didática, passo a passo e com a ilustração por mapas, o que permite ao leitor compreender melhor o pensamento militar genial de Cabanas.
12) Como encontrar seu livro?
HT: O meu livro sobre Cabanas pode ser encontrado pela internet, no site do Clube dos Autores, disponível a quem desejar conhecer um pouco mais desta história repleta de aventuras que foi protagonizada por João Cabanas. História tão verdadeira e, ao mesmo tempo, incrível, que foi transformada em filme nos anos 20.
Hélio Tenório dos Santos nasceu em São Paulo em 1970. Em 1986 ingressou na Polícia Militar do Estado de São Paulo, na Academia de Polícia Militar do Barro Branco. Serviu no 3ª BPM/M, na DP, na 3ª EM/PM e no 50ª BPM/M. Integrou as Forças de Paz da ONU em Timor Leste, de 2001 a 2003. Serviu adido ao Exército Brasileiro no CCOPAB, de 2010 a 2012, participando de missões de preparo de forças de paz em todos os comandos militares do Exército no Brasil e também no Chile, Uruguai, Bolívia, Haiti e Timor Leste. É professor do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, na APMBB. É adesguiano pela ADESG - SP e é acadêmco emérito da AHIMTB, na cadeira General Miguel Costa.
Contato do autor: heliobecora@ig.com.br
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