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Minha Vida — Cântico da Evolução

Yuri Abyaza Costa


I

Eu fui criança — oh tempos de alvorada!

De alma tão doce, pura e perfumada,

Nos braços de minha mãe — meu paraíso,

Onde a ternura era um eterno riso.


Na mão paterna, o peso e o receio,

No coração, só flores sem anseio...

Cria eu, então, num mundo de bondade,

Onde o amor fosse lei, fosse verdade.


Crescia, ingênuo, amável, tão contente,

Como quem bebe as águas da nascente;

E o peito, livre, em doces cantilenas,

Sonhava apenas almas boas, plenas!


II

Mas eis que a vida — fera disfarçada —

De dentes frios, garras afiadas,

Me atirou ao chão, com ríspida destreza,

E eu, tonto, aceitei-lhe a sutileza.


Cria que o homem fosse como eu seria:

Franco, leal, sem dolo, sem malícia;

Mas o que vi foi astúcia e traição,

E aprendi, ferido, a lição.


Por minha fé, por minha mão aberta,

Paguei com dor, com alma descoberta;

Cada engano, um corte, uma ferida,

E a esperança, pouco a pouco, consumida.


III

Depois — supremo golpe, sem defesa! —

A morte veio e pôs fim à beleza:

Levou minha mãe — meu anjo, meu abrigo —

E, logo após, meu pai, que foi comigo.


Restou-me o nada: os bens? A vida alheia

Tomou-os todos, qual ladrão na teia.

E eu, só, desnudo em campo tão hostil,

Soube o que é ser órfão, pobre e vil.


A boa-fé, que fora meu estandarte,

Abriu as portas largas da minha arte;

E o mundo, vil, com sua mão profana,

Roubou-me os sonhos... deixou-me a alma insana.


IV

E ergui-me, então, do abismo, alquebrado,

Com o olhar frio, o peito enregelado;

Sem mais ternura, amor ou confiança,

Sepultei a criança e a esperança.


Deixei, no chão, meus restos de alegria,

E fiz do coração pedra vazia;

Quebrado, sim, mas firme e resistente,

Como o rochedo eterno e imponente.


Sou trovão que estala em noite escura,

Frio como a neve, rude à ternura;

E a vida, que me fez assim, tão duro,

Hoje me teme, e foge, em tom obscuro.


V

Pois sou, agora, a raposa sagaz,

Que nunca crê, que nunca mais se faz

De vítima ou de presa indefensiva —

Mas caça, engana e fere, altiva e viva.


Sou lobo solitário, astuto e forte,

Que ruge às sombras, que desafia a morte;

Sou hiena que sorri no necrotério,

E que transforma a dor em riso sério.


Tudo perdi, mas restei mais que humano:

Sou fera, sou titã, sou soberano;

Da ingenuidade resta só memória,

Que arde, que sangra, mas que é minha história.


VI

E como a Fênix, pássaro imortal,

Renasci das cinzas do meu mal;

De cada perda, fiz brasão e glória,

De cada queda, um degrau na história.


Hoje caminho, altivo, sem temor,

Com peito de aço e máscara de dor;

E sei que o mundo, vil e traiçoeiro,

Curvou-se ao meu olhar frio e guerreiro.


Herói forjado em lágrimas e aço,

Na forja ardente, no fatal abraço

Do tempo e da desilusão — sou eu:

O que perdeu o céu, mas não morreu.


VII

E sigo, oh sigo, como quem não para,

Na estrada seca, árida, tão clara;

Sou lenda, sou canção que nunca cessa,

Sou sombra, sou farol, sou fortaleza.


Que digam: “Foi um homem? Foi um mito?”

Não importa! — O meu canto é infinito.

Pois do menino resta só a essência:

Metamorfose viva… em resistência.


Epílogo


E sigo… fênix de alma retorcida,

Que ardeu, morreu, renasce… e já não crê.

Sou chama fria, sou metade vida,

Sou quem venceu… mas nem sei bem por quê.


Pois no que resta, após a dor tamanha,

Nem sei se sou vitória… ou só façanha.

Talvez um mito… ou só lembrança vã:

Herói sem lar… ou fera sem manhã.


Só sei que sigo, e isso é bastante,

Com o olhar duro… e a alma vacilante.


Essa pessoa é quem sou, a história da minha vida. "Decifra-me ou te devoro"


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